segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

Filhos de Pandora

Nesse momento o enjôo se torna insuportável, corro até o sanitário e sinto meu estômago virando no avesso enquanto jatos de uma gosma esverdeada saem por meu nariz e boca, sinto uma mão tocando meu ombro e uma voz me diz “vai passar”, no som ambiente de um banheiro todo recoberto em mármore preto ouço a inconfundível voz de Roberto Carlos cantando que, “daqui pra frente tudo vai ser diferente...” Acordo com o som da explosão de um rojão, a penumbra do meu quarto é constantemente quebrada pelo clarão seguido das explosões festivas dos fogos de artifícios. Tento me situar por alguns segundos, esse pesadelo tem se repetido desde meados de dezembro, eu sei o que ele significa, o enjôo, o vômito, a ansiedade de não saber como serão as coisas de agora em diante. Pela primeira vez na minha vida adulta... eu tenho medo...
Olho no relógio, falta algumas horas para meia noite e nas cercanias onde moro um frenesi já tomou conta dos moradores, gritos inflamados, música alta, fogos e mais fogos de artifícios pipocando no céu, explodindo com boa parte do décimo terceiro salário de um povo que passa o ano inteiro reclamando que falta dinheiro para melhorias na casa, para o material escolar das crianças, para os prazeres simples de um churrasco com os amigos.
Meia noite, a cidade explode em comemoração, na tv uma música diz que “o futuro já começou” e o cheiro de enxofre e potássio infesta o ar. Eu me ponho a pensar, num tempo onde todo mundo está preocupado com o planeta, onde se fala “vamos parar de produzir sacolas plásticas” (desconsiderando a situação de milhares de almas que tiram seu sustento e o sustento de seus entes desta gigantesca indústria) por que plástico polui o meio ambiente, vamos usar papel reciclado para derrubar menos árvores, vamos parar de queimar combustível fóssil, etc... Será que ninguém se deu conta da quantidade de gases como monóxido de carbono, enxofre, potássio, etc. são emitidos desnecessariamente pela queima de fogos de artifício? A poluição que o resto de bombas e foguetes jogadas nos cantos das ruas são menos significativas que o pedaço papel que o cidadão sem escrúpulos e educação joga nas ruas nos outros 364 dias do ano? O papel dessas bombas e foguetes, as varetas dos rojões, isso não vem também de árvores derrubadas? Meia noite e dois – depois das trocas de abraços entre familiares e os desejos de que, num passe de mágica, tudo vai ser diferente, que tudo vai melhorar, que tudo de ruim ficou para trás e agora só virão coisas boas, pois, “o futuro já começou”, entramos na era da magia onde todos os desejos serão realizados num passe de mágica já que uma coisa extraordinária aconteceu, o relógio passou de 23:59.59 para 0:00, (como se isso não acontece todos os dias) – o vizinho que não te olhou na cara o ano todo grita, “feliz ano novo vizinho”! E como manda a boa educação, ergo meu copo de refrigerante e entre dentes digo, “Vai tomar no meio do cu!” Vindo do meu lado direito, recebo um tapão na cabeça desferido por minha mãe enquanto do lado esquerdo meu irmão se mata de dar risadas, algo similar ao anjinho e a diabinho que aparecem nos ombros dos personagens de desenho animados. Meia noite e três, aparecem as primeiras crianças pedindo “boas entradas de ano novo”, no meu peito explode a vontade de gritar “Boas entradas de ano novo de cu e rola seu fedelho filho da puta, ano que vem peça para o teu pai não torrar todo o décimo terceiro dele em foguetes e bebidas que você não vai precisar sair de madrugada na rua pedindo esmolas”. Ao invés disso, dei as costas e resolvi olhar meu “labradoido” que curiosamente, estava sentado na grama do quintal observando os fogos que teimavam em explodir nos céus sem latir, correr ou pular tentando caça-los como fez nos anos anteriores, será sinal dos tempos? Será que ele está amadurecendo? Será que “o futuro já começou?” Dia 02 de janeiro, resolvo ler um jornal, tentando enxergar as novidades deste futuro que havia chegado ontem! Nas manchetes, destaques para o vai-e-vem de jogadores e técnicos de futebol (mas isso não acontece todo o ano e o ano todo?), a persistente crise econômica (desde quando isso é novidade?), no oriente médio explode outra guerra (ou a mesma guerra?), a comunidade européia em polvorosa, exigindo um cessar fogo (não por causa das centenas de civis, entre eles mulheres e crianças, vitimas inocentes do flagelo de todas as guerras, mas porque, aparentemente, essa guerra vai atrasar a retomada do crescimento econômico mundial), mas sem coragem de tomar uma posição ou uma atitude que de números finais a essa matança. Mas espere aí, guerra no oriente médio? Desde quando isso é novidade? Então, se nada muda, o que justifica essa crença que o povo trás consigo de que, por um novo ano estar começando, tudo vai melhorar?
*** Grécia Mitológica, ano desconhecido, usando o fogo que fora roubado de Hefesto por seu irmão Prometeu, Epimeteu observa com os demais “proto-homens” o fruto de sua caça assando lentamente em sua fogueira, próximo dali, a romper a neblina surge um vulto, uma silhueta jamais vista antes, Epimeteu levanta uma tocha para ver melhor aquele presente dos deuses, ela, Pandora, (que havia sido criada pelos deuses a imagem e semelhança das mais belas deusas do Olimpo, com o dom da dança, da doçura e da sedução, mas que carregava em seu coração a mentira, a perfídia, a enganação, para que fosse a semente da discórdia e a desgraça dos homens) desfilava nua em sua direção. Linda, leve e loira com seus seios fartos (nada pessoal Neguinha) e firmes (desculpa aí você também Magrela), quadril largo, pernas grossas... ela parecia flutuar. Neste momento Epimeteu quase explodiu dentro das calças, correu em direção dela e disse “gata, você está demais essa noite”, ela, safada que só, lascou-lhe um beijo na boca fazendo Epimeteu melar a cueca. Prometeu já tinha avisado seu irmão para não aceitar nenhum presente dos deuses, mas Epimeteu como bom homem que era pensou com a cabeça de baixo e levou Pandora para sua caverna. Para se exibir um pouquinho, mostrou sua coleção de relógios suíços, sua tv de 54” e tela de lcd, seu dvd blue-ray, e por último uma caixa que havia ganhado de Zeus e que continha todas as coisas bendigas. Pandora, como toda mulher, queria pegar a caixa, pois mulher tem que ver tudo com as mãos, ele permitiu, mas deixou avisado que sob nenhuma circunstância a caixa deveria ser aberta. Pobre homem, não sabia nada sobre mulheres! Dois minutos depois da transa, o proto-homem já roncava ao lado de sua bela que, ávida por descobrir os segredos de seu novo amor, abriu a caixa (provavelmente pensando que ali tivesse uma agenda secreta com os telefones daquelas vagabundas com quem ele costumava sair antigamente) deixando escapar todas as coisas boas, ficando lá dentro somente aquela pamonha, burra, retardada, tetraplégicas e sem noção! A Esperança, condenando a todos nós, seres viventes, se foder a vida toda, mas sempre mantendo a esperança que no futuro as coisas vão melhorar! *** Segunda-feira, dia 05 de janeiro de 2009, recebo pelo correio o novo carnê do IPTU com reajuste de 11% em relação a 2008. Agora sim, o futuro realmente começou... Vida que segue...

Um comentário:

Tine Araujo disse...

Você me mata! Parece que eu escuto você contando essas histórias... é demais! Super beijo :)